Depois Daquele Beijo (“Blown-up”, Itália / EUA, 1966)

Pelo jornalista, amigo e confrade, Vladimir Cunha.

[youtube Zu0-keZ4KKY]

A princípio é um filme sobre nada, um fiapo de trama tentando capturar os momentos mais reluzentes da Swingin’ London. Mas pouco a pouco o desencanto com o estado das coisas é revelado nos detalhes da vida de um fotógrafo londrino, um distanciamento progressivo do sentido original de sua arte explícito na maneira rude como trata um grupo de modelos e no nojo que sente dos mendigos que acabara de fotografar para um livro de luxo.

Nos primeiros minutos do filme, Antonioni nos confronta com um bem-montado esquema de convenções sociais e jogos de aparências para em seguida desconstruí-los através de um suposto assassinato, segundos de uma conspiração da qual o fotógrafo acredita ter sido testemunha. Ao ampliar obsessivamente pedaços cada vez menores do memento mori que teria vislumbrado durante um passeio por um parque público, ele subitamente se reencontra com o verdadeiro propósito do seu ofício: a busca febril pelo sentido da vida, por emular a realidade em fragmentos compreensíveis tanto em um nível sensorial quanto intelectual. É na figura de uma arma fumegante e de uma bela mulher, um fantasma sem passado que o engana e seduz, que o fotógrafo, antes um garoto mimado do mundo da moda, reavalia sua relação com a arte e com os seus valores pessoais.

E então um filme aparentemente sem sentido ganha força e se torna um poderoso discurso a respeito de percepção da realidade e do verdadeiro propósito da criação artística, culminando na briga por pedaços da guitarra de Jeff Beck. Destroçada pelo músico e roubada pelo personagem principal depois de uma briga com seus fãs, ela perde o valor segundos depois e termina abandonada em uma calçada qualquer. Conexão que se fecha quando lembramos dos figurinos bizarros que ele revende para as massas em nome do dinheiro no início do filme e a pobreza travestida de arte que divulga em seu livro sobre os mendigos londrinos. Quem determina a moda é quem destitui a pobreza de seu caráter de problema social para transformá-la em objeto de culto para a pequena-burguesia. Aqui, assim como na guitarra de Jeff Beck, o valor simbólico de um objetivo artístico, seja ele uma foto ou um vestido, é maior do que o seu valor real, o que torna pertinente o questionamento sobre os limites que separam arte da farsa desmedida.

Ao final, na cena do jogo de tênis com um grupo de mímicos, descobrimos juntos que julgamentos pessoais estão acima de qualquer convenção social e que o mundo nada mais é do que um amontoado de diferentes percepções de realidade, manipuláveis em nome do amor ou do dinheiro. E que a arte só pode ser realmente verdadeira quando é feita por impulso e ao acaso, sem a mediação de qualquer forma de controle social e financeiro. Como em algo que surge de uma busca desesperada por um pouco de conforto existencial.

[rating:4]


Ficha Técnica

Elenco:
Vanessa Redgrave
Sarah Miles
David Hemmings
John Castle

Direção:
Michelangelo Antonioni

Produção:
Carlo Ponti

Fotografia:
Carlo Di Palma

Trilha Sonora:
Herbie Hancock

ELENCO

DIREÇÃO

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