Enquanto tem gente que fica sensível por qualquer coisa, os alemães colocaram o dedo na ferida numa comédia muitas vezes engraçada, mas outras surpreendentemente questionadora e contemporânea. Feita totalmente ao estilo de “O Ditador”, onde Sacha Baron Cohen refinou a abordagem de mockumentary (documentário fake) + ficção, aqui vemos o que aconteceria se Hitler aparecesse do nada nos tempos atuais.
Ele acorda no meio do subúrbio alemão e é achado mais tarde por um inocente repórter que tenta subir na vida, colocando quem ele pensa ser apenas um sósia de Hitler na TV. O resultado é bombástico, pois mesmo fazendo comédia, seus discursos e sua abordagem começam a cativar as pessoas que não percebem o ódio disfarçado de nacionalismo.
As partes mais “engraçadas” (reparem as aspas) é quando o ator alemão Oliver Masucci interage com pessoas reais fazendo se passar pelo Füher. Essa abordagem artística é chamada “estilo guerrilha” e contem muito improviso por parte do ótimo ator. A reação das pessoas que, claramente sabem que é apenas um sósia, é engraçada, mas também externam condições sociais curiosas que lembram a maneira como o verdadeiro Hitler chegou ao poder.
O próprio protagonista conta curiosidades (reais) sobre seu passado nas décadas de 30 e 40 que praticamente são uma reflexão da reação das pessoas, seja esta reação real ou fictícia, já que muito no filme é previamente combinado, como a visita a um partido conservador de direita.
Quanto mais o filme se aproxima do último ato, mais relevante se torna a crítica social em detrimento da comédia que, na forma final, é usada mais como subterfúgio para um alarmante aviso de um perigoso ciclo que se aproxima, principalmente quando fala na crise de refugiados que a Alemanha passou, os protestos e violência nas ruas, o que não deixa de ser um paralelo com os judeus antes da 2ª Guerra Mundial. Claro que aparentemente estamos num mundo mais controlado, mas a obra mostra gente real com opiniões reais e delicadas sobre o assunto.
“Ele Está de Volta” merecia uma produção um pouquinho melhor, mas tem um roteiro afiado e inteligente, além de lidar com um tema socialmente relevante com uma pegada de bom humor sem deixar a sua essência crítica de lado.
Curiosidades:
– A cena de início com as nuvens vistas de cima pra baixo é uma analogia ao filme que serviu como propaganda nazista “Triunfo da Vontade” de 1935.
– Quando o gerente da emissora encontra Hitler, ele sugere que um ator mais famoso como Bruno Ganz o interprete. O saudoso ator realmente interpretor o ditador nazista em “Queda! As Últimas Horas de Hitler” de 2004.
– O pôster do filme “De Volta Para o Futuro” pode ser visto no quarto do repórter. Além disso, ele se veste com uma roupa parecida com a jaqueta de Marty McFly.
– Há uma cena em um pub em que Hitler recita um poema. Esse poema foi escrito na década de 40 e proibido pelo nazismo, pois seu autor tinha raízes judaicas.
– Os nomes dos principais personagens da emissora – o repórter, o gerente e a diretora – tem os mesmos primeiros nomes dos artistas que os interpretam.
– O filme é baseado no livro homônimo que é exatamente o livro que Hitler escreve no filme e que até custa o mesmo preço (13,99 euros).
– A cena onde o gerente da emissora vê a queda do Ibope é análoga a famosa cena de Hitler em em “Queda! As Últimas Horas de Hitler” de 2004.
– A cena em que o repórter foge dos seguranças do hospital é uma referência direta a uma cena análoga na ficção “12 Macacos”.
Ficha Técnica
Elenco:
Oliver Masucci
Fabian Busch
Lars Rudolph
Hauke Schmidt
Franziska Wulf
Christoph Maria Herbst
Thomas Thieme
Nancy Maria Brüning
Katja Riemann
Michael Ostrowski
Direção:
David Wnendt
Produção:
Lars Dittrich
Christoph Müller
Fotografia:
Hanno Lentz
Trilha Sonora:
Enis Rotthoff
