O jargão cinematográfico dramédia para inferir uma comédia dramática ou um drama bem humorado nunca foi tão bem desenhado como nessa biografia de Florence Foster Jenkins vivida esplendorosamente por Meryl Streep (“Caminhos da Floresta”), uma artista de teatro da década de 40 que herdou uma fortuna, mas com pouco talento. Como ela é rica (e há ainda outro motivo), todos a paparicam, fazendo o possível para esconderem as críticas negativas sobre suas apresentações. Com muita disposição e sem vocação nenhuma, ela convence seu marido St. Clair (Hugh Grant de “O Agente da UNCLE”) a fazer um musical acompanhada de um pianista que vai se revelar o tímido Cosme (Simon Helberg, o Wollowitz da aclamada série “The Big Bang Theory”). Com sua voz desafinadíssima, eles terão muito trabalho para fazer esse show funcionar.
O que num primeiro momento pode parecer uma comédia, o diretor Stephen Frears do indicado ao Oscar “Philomena” sabe muito bem como injetar elementos que são pura emoção e potencializar o elenco para que toque o coração do público ao mesmo tempo em que não abre mão do humor. Uma das características mais louváveis é que ele nunca expõe o drama explícita ou graficamente, mas apenas o sugere ao espectador através de diálogos e atuações mais que carismáticas.
O elenco por sua vez está sensacional. Meryl Streep seria a carta óbvia e facilmente mereceria mais uma indicação ao Oscar encarnando a rechonchudinha senhora sem talento, mas com um enorme coração. Mas as grandes surpresas são Hugh Grant e Simon Helberg. Grant faz seu melhor papel em mais de uma década, como o marido devoto e cheio de complexidades devido à situação em que se encontra e Helberg está impagável como o pianista onde mistura uma personalidade completamente nova (reparem na sua entonação de voz) a seus tiques cômicos certeiros, construindo um personagem que funciona como alter ego do próprio público.
A combinação da narrativa com os personagens funciona tão bem que esquecemos elementos que também se encaixam perfeitamente como a reconstituição de época num belíssimo design de produção, o figurino, tudo capturado pela fotografia de Danny Cohen que também brilhou em “A Garota Dinamarquesa”. Coincidência ou não, deste mesmo filme vem o mestre compositor Alexandre Desplat que faz uma trilha tão orgânica que muitas vezes mistura o próprio piano tocado no filme com as demais cenas num timing irretocável.
“Florence: Quem é Essa Mulher?” é uma daquelas poucas produções que misturam água e óleo, desafiando as leis da física e química e resultando em algo tão bem humorado, emocionante e natural que merece ser lembrado por um bom tempo.
Curiosidades:
– Ao contrário do filme, a verdadeira Florence tinha uma certa noção das suas limitações e cuidava pessoalmente para que seus shows não fossem frequentados por detratores.
– Hugh Grant estava aposentado como ator, mas só voltou pela oportunidade de contracenar com Meryl Streep.
Ficha Técnica
Elenco:
Meryl Streep
Hugh Grant
Simon Helberg
Rebecca Ferguson
Neve Gachev
Nina Arianda
John Kavanagh
David Haig
Jorge Leon Martinez
Josh O’Connor
Christian McKay
John Sessions
Mark Arnold
Direção:
Stephen Frears
Produção:
Michael Kuhn
Tracey Seaward
Fotografia:
Danny Cohen
Trilha Sonora:
Alexandre Desplat
