Jackie

Com o crescente empowerment feminino que vem se tornando quase obrigatório em qualquer roda misturado com o inabalável patriotismo americano que produziu equívocos bem elaborados como “Lincoln”, “Jackie” é tudo o que poderia se esperar da visão da própria protagonista, Primeira Dama, sobre a morte de seu marido, o então presidente dos EUA John Kennedy. E talvez pela expectativa ter se materializado de forma tão óbvia, algumas oportunidades são desperdiçadas.

Mas não por falta de talento ou esforço: Natalie Portman (“Juventude em Fúria”) faz uma personificação impressionante de Jaqueline Kennedy e até mesmo as imperfeições físicas são ofuscadas, sendo assim que ela carrega todo o filme nas costas. Da mesma forma, o diretor chileno Pablo Larraín, do espetacular “Não”, vai além do linear, mostrando trechos alternados da vida de Jackie a partir de uma entrevista que ela dá para um jornalista da revista LIFE (Billy Crudup de “Alien: Covenant”) e traz sequencias impactantes pelo que se vê – o assassinato em si no terceiro ato é gráfico e impressionante – como pelo que apenas se menciona, como alguns diálogos que procuram descrever as histórias melhor que a verdade. Sem contar que o design de produção, figurino e cenografia são impecáveis na reconstituição dos fatos e até mesmo de um documentário que a ex Primeira Dama apresenta para a BBC sobre um tour pela Casa Branca.

Os problemas começam, entretanto, quando se mistura todas essas ótimas qualidades num roteiro que parece apontar pra uma direção e ir para outra. Ele cometeu o mesmo erro de Spielberg que mostrara Lincoln de uma maneira conveniente, e aqui, pior, pois, como sabemos, grande parte de dos desgostos do relacionamento entre John e Jackie se refletiam diretamente nesta última, coisa que o filme insinua de uma forma tão rápida e superficial que poucos devem perceber (na cena de diálogo com o Padre).

Além disso, a aura de mistério da protagonista que deveria ser uma vantagem, acabou exagerando na dose, pois mesmo com uma interpretação irrepreensível, o roteiro não consegue dar uma direção de personalidade à personagem. Tudo bem que ele compreende um período reduzido de sua vida (uma escolha, mas talvez um erro) e também turbulento, só que ela vai de supérflua a independente, passando um exacerbado luto em questão de minutos e, mesmo que o espectador se sinta maravilhado com a performance da atriz, difícil será explicar seu verdadeiro papel na história. Para efeito de comparação, o personagem de Crucup, o jornalista, tem um arco de personalidade perfeitamente desenvolvido, sendo um ótimo contraponto.

Tal qual essa indecisão travestida de aura de mistério, as outras boas qualidades técnicas parecem ter sido elevadas a uma potência máxima de exposição para puro deleite de seus realizadores: o figurino impecável historicamente parece ter um papel tão importante que toma parte do filme que poderia ser concentrada na narrativa; a reconstituição do documentário – outro golaço técnico – também se alonga além do conteúdo necessário; e até mesmo a relação entre seus personagens, por exemplo a de Jackie com o irmão de John, Bob Kennedy (Peter Sarsgaard de “Sete Homens e Um Destino”) se mostra profunda, mas ainda fica indiscernível pra quem está de fora, como se o público tivesse a obrigação de tê-los conhecido antes, ou como se houvesse alguma prequel a ser assistida como preparo para o filme.

Jackie” não deixa de ser um fragmento histórico e artístico relevante e recomendado, mas parece que só fica no empate, pois a cada gol que marca, faz um gol contra por achar que o jogo está ganho.

Curiosidades:
– A cena em que Jackie tropeça na caminhada no cemitério, foi improvisada, pois Natalie Portman tropeçou de verdade.
– O diretor pediu para excluir do roteiro todas as cenas sem a protagonista para que o filme todo fosse sobre ela. Foi excluído 30% do roteiro e ela aparece em 99% das cenas.
– O personagem do Presidente Kennedy tem menos de 2 minutos em tela.

Ficha Técnica

Elenco:
Natalie Portman
Peter Sarsgaard
Greta Gerwig
Billy Crudup
John Hurt
Richard E. Grant
Caspar Phillipson
John Carroll Lynch
Beth Grant
Max Casella
Sara Verhagen
Hélène Kuhn
Deborah Findlay
Corey Johnson
Aidan O’Hare

Direção:
Carlos Saldanha

Produção:
Darren Aronofsky
Pascal Caucheteux
Scott Franklin
Ari Handel
Juan de Dios Larraín
Mickey Liddell

Fotografia:
Stéphane Fontaine

Trilha Sonora:
Mica Levi

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