Aquarius

Aquarius” conseguiu algo que poucos exemplares nacionais fizeram: o filme de Kleber Mendonça Filho conseguiu se manter numa estética temática de raíz bem brasileira, mas numa linguagem mais universal, mesmo que menos comercial. Ele endereça a reclamação de que o cinema brasileiro não se projeta globalmente, sai fora dos padrões das comédias rasas da Globo Filmes e finca o pé nas nossas origens históricas e cinematográficas.

Em linhas gerais, a história fala de Clara, personagem de Sonia Braga que sobreviveu a um câncer na década de 80 e sempre morou no mesmo prédio, Aquarius. Até que uma construtora ameaça a sua paz com um projeto de um condomínio, sendo ela a última inquilina que sobra e recusa e se dobrar às propostas da construtora.

O roteiro e diretor enveredam forte em duas linhas narrativas: a primeira que ele joga na cara do espectador (uma sutileza aqui seria mais bem vinda) é o embate do novo com o velho, seja na analogia com a música (vinil x mp3), com a própria trama central, com a vida amorosa, entre outros. Inclusive Kleber introduz magistralmente o tema ao som da Hoje do cantor Taiguara com fotos de uma Recife antiga e preservada, o que praticamente vai pautar toda a produção.

A segunda linha narrativa, que obviamente se mistura com a primeira, é a própria construção da personagem de Clara e como o passado, presente e futuro, vão influindo e montando a sua personalidade. Inclusive o diretor toma a acertada decisão de não colocar Clara e a entidade que é a construtora (personificada praticamente pelo ator Humberto Carrão) como uma relação de herói e bandido, mas sim de dois lados que dependendo da perspectiva estão sobremaneira corretos e lutando com as armas que tem, inclusive de métodos escusos. Aliás, algumas análises tranquilamente vão achar algumas decisões de Clara bastante questionáveis.

Permeando os acontecimentos, Kleber Mendonça Filho que em “O Som ao Redor” soube domar a relação do áudio com o visual com perfeição, aqui coloca a música como um terceiro personagem que não só é onipresente como também, de certa forma, narra as passagens da trama, percorrendo grandes nomes como Roberto Carlos, Reginaldo Rossi, Alcione, Altemar Dutra, Paulinho da Viola, Gilberto Gil e até o internacional Queen.

Por outro lado, a construção narrativa muitas vezes presta mais atenção na arte como início, meio e fim do que na objetividade da história, o que faz cenas que se alongam mais que o necessário e terminam muito depois da mensagem principal ter sido passada, ou até mesmo incluindo passagens que pouco agregam à trama e à própria protagonista, fazendo a projeção se alongar por quase duas horas e meia.

O que falta em objetividade na direção, sobre em estética, música, conteúdo e – nunca esquecendo – carisma de Sonia Braga num de seus melhores papéis. É o cinema brasileiro provando que é possível fazer histórias simples se transformarem em experiências sensoriais completas.

Curiosidades:
– A equipe do filme polemizou vários festivais com manifestações de protesto ao impeachment da Presidente Dilma, mas na verdade a birra do diretor foi que eles não foram escolhidos para representar o Brasil na candidatura ao Oscar (ficou com Pequeno Segredo) e daí, tentou-se atribuir a decisão do Ministério da Cultura à orientação política do diretor.
– Um dos vinis vistos rapidamente na coleção de Clara é a trilha sonora de Dona Flor e Seus Dois Maridos, filme também protagonizado por Sônia Braga.

Ficha Técnica

Elenco:
Sonia Braga
Maeve Jinkings
Irandhir Santos
Humberto Carrão
Zoraide Coleto
Carla Ribas
Fernando Teixeira
Buda Lira
Paula De Renor
Barbara Colen
Daniel Porpino
Pedro Queiroz
Germano Melo
Julia Bernat
Thaia Perez

Direção:
Kleber Mendonça Filho

Produção:
Saïd Ben Saïd
Emilie Lesclaux
Michel Merkt

Fotografia:
Pedro Sotero
Fabricio Tadeu

Trilha Sonora:
Eduardo Serrano

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