“Nerve” talvez seja um dos filmes intelectualmente mais democráticos dos últimos tempos. Quer uma aventura teen dinâmica, bem humorada e com muita tensão? “Nerve” tem. Quer um tratado sobre a degradação da sociedade por causa dos novos conceitos de conectividade? É com “Nerve”. Entende um pouco de tecnologia e quer estudar conceitos sobre o tema aplicados de forma consistente? “Nerve” tá aí pra isso.
Tudo começa quando Vee (Emma Roberts de “Família do Bagulho”), uma recatada e insegura jovem, descobre o jogo Nerve através dos amigos. Nerve virou uma coqueluche (tal qual PokemonGO na vida real) onde os observadores passam desafios cada vez mais complexos para os jogadores por 24 horas e quem terminar com o maior número de desafios cumpridos e seguidores vence. O que começa como uma brincadeira, começa a tomar contornos mais sinistros, principalmente depois que ela “acidentalmente” (entre aspas) esbarra com o misterioso Ian (Dave Franco de “Truque de Mestre”) e começam a jogar como um par.
Os roteiristas foram inteligentes ao ponto de, sem precisar ser explícitos, explicarem o modelo de negócios do jogo de maneira bem didática: cada observador (como eu ou você) paga U$ 19,99 para observar – lógico – e votar desafios para os jogadores. Estes últimos se inscrevem de graça e ganham uma certa quantia de dinheiro a cada desafio cumprido. Como existem milhares de observadores e poucos jogadores, os donos de Nerve abocanham uma bolada.
Os diretores Henry Joost e Ariel Schulman (pasmem: eles são os atuais comandantes da franquia “Atividade Paranormal”) foram além e nos mostram com uma câmera inquieta, seja para emular alguém observando, seja do próprio celular de alguém, além da visão da terceira pessoa, a corrida contra o tempo dos dois jovens, mas também – e aí está a essência – o quanto nossa sociedade, principalmente os jovens, se revela sociopata ao se esconder atrás de um pseudônimo e também da coletividade para decisões hediondas, como ferramentas do anonimato e do colegiado (não ser responsável direto por participar de uma decisão coletiva).
Melhor ainda é poder dizer que tudo o que é usado como ferramenta tecnológica existe na prática: a darkweb (o servidor chama-se Tor mesmo), os bots que influenciam uma votação, a descriptografia de um programa em código aberto, bem como a coleta de dados para usos questionáveis de terceiros (tema de invasão de privacidade amplamente discutido nos dias de hoje).
Falando da técnica de filmagem, os diretores e o diretor de fotografia Michael Simmonds (“A Qualquer Preço”) merecem palmas por criarem um mundo virtual que interage com a câmera nos mais diversos níveis. E a trilha de Rob Simonsen (“O Maravilhoso Agora”) dá um tratamento techno-pop misturando composições próprias e uma playlist relativamente desconhecida que imprime um ritmo incansável em transições suaves, sem se tornar episódico.
Em resumo o maior destaque da produção é a dialética e o comercial conversarem naturalmente resultando numa ação de nível de inteligência altíssimo cuidadosamente embalado numa aventura teen descompromissada.
Curiosidades:
– Há uma cena de segundos em que Vee olha um artigo sobre o ator e diretor James Franco, cujo nome é “Ele é tão esperto assim?”, sendo que na vida real, James Franco é irmão de Dave Franco.
– Como a Apple patrocina o filme (um dos grandes patrocinadores de Hollywood), até o monitor na cena em que Vee está presa (aparece no trailer) é aquele que revolucionou os anos 90: o i.Mac da Primeira Geração.
– O diálogo do trailer entre o policial e Vee não aparece no filme. A cena acontece, mas o diálogo é outro.
Ficha Técnica
Elenco:
Emma Roberts
Dave Franco
Emily Meade
Miles Heizer
Juliette Lewis
Kimiko Glenn
Marc John Jefferies
Machine Gun Kelly
Brian ‘Sene’ Marc
Ed Squires
Rightor Doyle
Josh Ostrovsky
Eric D’Alessandro
Samira Wiley
Direção:
Henry Joost
Ariel Schulman
Produção:
Anthony Katagas
Allison Shearmur
Fotografia:
Michael Simmonds
Trilha Sonora:
Rob Simonsen
